quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

TOPOGRAFIAS RURAIS | ALBERTO CARNEIRO









TOPOGRAFIAS RURAIS

Alberto Carneiro

Curadoria: Tobi Maier

07/12/2019 – 08/02 /2020


A Cooperativa Diferença apresenta, em conjunto com a Galeria Quadrum / Galerias Municipais, um núcleo da exposição “Topografias Rurais / Rural Topographies”, com curadoria de Tobi Maier, a partir de analogias entre a obra de Alberto Carneiro e a de três artistas de gerações e contextos geográficos diferentes: Ana Lupas, Lala Meredith-Vula e Claire de Santa Coloma.

As notas de Alberto Carneiro para um manifesto da arte ecológica foram originalmente redigidas como entradas do seu diário, entre dezembro de 1968 e fevereiro de 1972. Um período temporal num passado distante, pré-Chernobil e muito antes de o termo «permacultura» ter sido cunhado ou de os efeitos das aceleradas alterações climáticas começarem a sentir-se. Numa altura em que testemunhamos uma crescente urbanização, os artistas procuram no meio rural uma fonte de inspiração.

A exposição encontra-se dividida em duas secções, cobrindo uma variedade de suportes utilizados por Alberto Carneiro. No ano em que celebra o seu quadragésimo aniversário, a Cooperativa Diferença (de que Alberto Carneiro foi sócio e membro do núcleo fundador e onde realizou exposições individuais em 1979 e 1981) apresenta uma série de desenhos a grafite produzidos no final da carreira do artista e que nunca antes foram expostos. Estes trabalhos aludem às imediações do seu atelier, em São Mamede do Coronado, perto do Porto, bem como às paisagens montanhosas do Norte de Portugal. São também apresentados três trípticos elaborados a partir do esmagamento, sobre papel, de pétalas de flores colhidas pelo artista no seu jardim particular. Duas esculturas em madeira de buxo e um dos pequenos objectos lúdicos realizados nos últimos anos de vida completam a exposição na Cooperativa Diferença.

A segunda secção da exposição, instalada na Galeria Quadrum (onde o artista realizou cinco exposições individuais entre 1975 e 1983), evoca os gestos performativos do artista. Como a balsa da medusa, o centro do espaço da galeria é ocupado por “Metáforas da água ou as naus a haver por mares nunca de antes navegados” (1993-1994), juntamente com trabalhos e documentação derivados da sua “Operação estética em Vilar do Paraíso”, realizada em março de 1973 numa localidade nas imediações de Vila Nova de Gaia.

Os trabalhos de Claire de Santa Coloma fazem referência à obra de Alberto Carneiro e à do escultor franco-romeno Constantin Brâncuși. Para Santa Coloma, o processo da escultura é um ato de resistência. Situadas no espaço urbano, as suas rotinas diárias fazem alusão às de um agricultor ou de um artesão. A prática da cinzelagem manifesta-se como quase terapêutica e decididamente espiritual.



Ana Lupas criou as suas esculturas de forragens, sobretudo em formas circulares, em colaboração com comunidades de aldeias da Transilvânia. Concebida a partir de 1964 para um ambiente exclusivamente rural, a obra “The Solemn Process” consiste numa série de estruturas corpóreas prototípicas de várias dimensões, feitas a partir de materiais perecíveis, como palha de trigo, cânhamo, algodão, madeira e metal.

Por fim, as fotografias de Lala Meredith-Vula pertencentes à série “Haystacks” (iniciada em 1989 e ainda em curso)  também emergem no leste europeu, um contexto que está longe de ser homogéneo e que ainda hoje se debate com a desordem resultante da dissolução dos regimes autoritários após a queda da Cortina de Ferro, há trinta anos atrás, no ano de 1989.

Lupas, que foi alvo de repressão por parte do regime comunista, durante o seu processo de criação a partir de meados da década de 1970, executou as suas esculturas em colaboração com diversos habitantes locais, enquanto a investigação e representação de palheiros empreendida por Meredith-Vula ao longo de uma década também lhe permitiu aproximar-se do povo da Albânia, terra nativa do seu pai.

Os visitantes poderão considerar estas posições artísticas semelhantes na forma, mas, todavia, diferentes quanto à sua conceção histórica. Em conjunto, criam uma rede de diferentes abordagens ao rural, ao mesmo tempo que chamam a atenção para preocupações ecológicas. Estas obras constituem poderosos significantes num discurso global sobre o regionalismo, constituindo, igualmente, um apelo (poético) à ação no âmbito do nosso ambiente natural.

Alberto Carneiro (São Mamede de Coronado, 1937 – Porto, 2017) foi um artista português.
Ana Lupas nasceu em Cluj, em 1940, onde vive e trabalha.
Lala Meredith-Vula nasceu em Sarajevo, em 1966. Vive e trabalha em Leicester.
Claire de Santa Coloma nasceu em Buenos Aires, em 1983. Vive e trabalha em Lisboa.

A exposição pode ser vista na Galeria Diferença, de terça a sexta, das 14h00 às 19h00 e aos sábados entre as 15h00 e as 20h00, até 8 de fevereiro 2020.
A exposição pode ser vista na Galeria Quadrum, Rua Alberto Oliveira, Complexo dos Coruchéus, Lisboa, de terça a sexta-feira, das 14h30 às 19h e ao sábado e domingo das 10h às 13h e das 14h às 18h, até 23 de fevereiro 2020.

A Galeria Diferença e as Galerias Municipais agradecem o apoio da Fundação Carmona e Costa na edição do catálogo.









sábado, 23 de novembro de 2019

sábado, 12 de outubro de 2019

EXPOSIÇÃO "Especial Acervo I" 05.10 - 26.10.2019

*imagem de E.M.de Melo e Castro







Na continuação da celebração dos 40 anos da Cooperativa Diferença e para a exposição Especial Acervo I foram seleccionadas a partir do seu acervo, um conjunto de obras muito pouco vistas entre o período de de 1979 a 2019 dos seguintes artistas: 

Albertina Sousa, Ana Hatherly, Ângelo Encarnação, E.M de Melo e Castro, Hein Senke, Irene Buarque, Leonel Moura, Mário Cesariny, Marta Caldas, Pedro Calapez, Salette Tavares,Sérgio Taborda.






EXPOSIÇÃO "Physis" de Carina Martins | 05.10 - 26.10.2019



                                                                                                               https://carinamartins.com
   




We are walking, talking minerals.

Vladimir Vernadsky



Quando a humanidade se habituou a dominar a natureza, manipulando-a como um meio para atingir certos fins, esqueceu-se. E esse “esquecimento” permanece até hoje como símbolo da violência antropocêntrica exercida sobre o planeta. Se no outro lado do espelho, ou no inconsciente, habita ainda um vestígio da comunhão primordial com o cosmos, do lado de cá multiplicaram-se com êxito as metafísicas do divino e do transcendental, enquanto a physisperdia lentamente a sua mais íntima potência de Ser, para se conotar somente com a matéria tangível do mundo natural. No cerne desta dualidade, e da quase-eterna distinção entre a alma e o mundo, entre sujeito e objecto ou entre matéria e energia, foi sendo arquitectada toda uma ontologia bélica do ser humano, demasiado humano. 

Toda esta carga ideológica acumulada ao longo dos séculos e vertida na hierarquia humanista, confronta-nos agora com uma anomalia à escala planetária. Ainda assim, para além da actual urgência ecológica, é necessário descolonizar a imagem cristalizada da subjugação da natureza que nos é incutida, desde tenra idade, pela ideologia do consumo massificado.

No conjunto de fotografias que compõem Physis,Carina Martins afasta-nos do regime diurno determinado pela razão instrumental moderna, favorecendo uma digressão dos sentidos para além do imediatamente visível e levando-nos a percorrer uma certa geografia da noite e da penumbra. A perspectiva linear do olhar cognitivo (ocularcentrismo) perde a sua frontalidade, a visão torna-se periférica e à racionalidade sucede a afecção. Enquanto que em projectos anteriores o referente fotográfico se inscrevia sob uma luminosidade diurna, Physis, aproxima-nos agora de outras formas de vida, procurando, sob a cintilação da noite, a matéria vibrante constitutiva de todas as substâncias. Nestas circunstâncias, a ausência de luz solar intensifica a existência espectral das coisas e essas presenças reais tornam-se manifestas em cada uma das imagens. Entre o limiar urbano e civilizacional do antropoceno e o imenso território da bioesfera, a fotógrafa realiza uma investigação visual ao epicentro da luz nocturna e dos seus ecossistemas, elogiando a sombra dos lugares habitados por uma miríade de organismos minerais, vegetais e animais.




O desejo de aproximação à natureza em si reflecte-se no acto de fotografar enquanto possibilidade de mergulhar na frágil complexidade da interdependência da vida e, consequentemente, na imanência de uma estética ancorada na dimensão ecológica da consciência artística. No entanto, se quisermos adoptar uma perspectiva intrínseca à ecologia profunda, ou seja, se nos quisermos aproximar da ‘natura naturans’,uma representação pictórica (picture) da natureza de pouco serve. Confrontamo-nos assim com uma aporia ou descrença paradoxal: como produzir uma fotografia da “coisa em si”, ou do irrepresentável? Que não se confine à mera figuração de um objecto, e que ofereça ao observador a possibilidade de se confrontar com outro ser, i.e., de sujeito para sujeito.
No confronto entre o olhar e as imagens de Physis– bem como na nossa relação com a natureza - algo deve mudar e, a acontecer, é ao nível da fenomenologia da percepção e das suas modulações afectivas e cognitivas. Já não se trata de ver como no regime antigo da visão pré-tecnológica, mas de aceder poeticamente a uma outra partilha do sensível, desaprendendo os preconceitos inflexíveis do que possa ser uma floresta, uma árvore ou uma montanha.

Rui Ibañez Matoso | Curadoria


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Carina Martinsvive e trabalha em Lisboa. Licenciou-se em Tradução de Inglês-Alemão pela Universidade Católica e em 2016 concluiu o Curso Avançado de Fotografia no Ar.Co - Centro de Arte e Comunicação Visual. Trabalha principalmente com fotografia e vídeo, explorando as paisagens industriais, a natureza, os lugares perdidos. Num processo de descontextualização e apropriação desses elementos, interessa-se pela desocupação humana dos lugares, na quietude, em formas geométricas e ficcionais. Tem exposto com regularidade desde 2008.